terça-feira, 1 de março de 2022

Você sabe o que são imunodeficiências? Qual o impacto delas nas vacinas contra a COVID-19?

 Neste artigo discutimos:

 

Imunodeficiências: primária x secundária;

Imunodeficiência comum variável (CVID);

Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida (AIDS);

Imunodeficiências e a vacinação contra a COVID-19.


As imunodeficiências configuram um grupo de doenças e síndromes, que debilitam o sistema imune de tal maneira que até a simples resposta a um resfriado comum é comprometida. Elas são divididas em primária, quando o defeito é congênito, e secundária, também chamada de adquirida, pois são, normalmente, manifestadas ou relacionadas à fatores externos, como uma infecção, a exemplo1.

Ambas podem prejudicar o sistema imune inato e/ou adaptativo. O sistema inato compreende as barreiras iniciais às infecções, como a pele ou o suco gástrico, bem como fagócitos, células NK e o sistema complemento. O sistema imune inato já nasce pronto para entrar em ação. Já o adaptativo, está relacionado aos linfócitos T e B, realizando uma resposta coordenada do sistema inato, além de atuar com maior eficácia e especificidade a um determinado patógeno. O sistema adaptativo precisa ser treinado para entrar em ação. Este treino pode ser por uma infecção ou através da vacinação, por exemplo2.

 

1.    Imunodeficiências primárias

Compreendidos os conceitos básicos, pode-se, a priori, discorrer sobre as imunodeficiências primárias. Elas surgem congenitamente, ou seja, elas são fruto de um defeito genético herdado. As deficiências podem ir desde defeitos nas proteínas do complemento (fazem parte da imunidade inata) à até mesmo falhas no desenvolvimento dos linfócitos T e B (fazem parte da imunidade adaptativa).

1.1 Imunodeficiência comum variável (CVID)

A imunodeficiência comum variável (CVID) é a mais comum em adolescentes e adultos jovens.  A CVID é caracterizada por baixos níveis de anticorpos, devido a um problema na sua produção. Essa baixa pode ser causada por defeitos no desenvolvimento de células B em plasmócitos (células secretoras de anticorpos), ou defeitos na produção de um anticorpo específico por essa célula. Isso está relacionado a alterações em genes que codificam as proteínas necessárias para que haja o funcionamento normal desse processo2.

1.2 Consequências da CVID

A relevância disso se deve ao fato de os anticorpos facilitarem o combate aos invasores, pois neutralizam patógenos ou sinalizam qual o agente deve ser combatido pelo sistema imune (opsonização). Sendo assim, na prática clínica, as infecções mais frequentes em adultos com CVID acometem o trato respiratório, incluindo otite média de repetição, sinusite crônica e pneumonia de repetição, o que pode resultar em destruição dos brônquios1.

 

2.    Imunodeficiências secundárias

Por conseguinte, as imunodeficiências secundárias são caracterizadas por um evento que é externo ao fator genético. Por isso, são chamadas de adquiridas, visto que se não houvesse esse empecilho, o sistema imune seria funcional. As causas mais comuns são: o uso de imunossupressores, as neoplasias causadoras de leucemias na medula óssea, diabetes mellitus, as doenças graves prolongadas, infecções e até mesmo a desnutrição!

 

2.1 Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida (AIDS)

A mais conhecida é a AIDS, a Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida, causada pelo retrovírus HIV. A base para essa imunodeficiência é a infecção e destruição de linfócitos T CD4 que comandam a resposta imune adaptativa – O HIV acaba infectando a célula que orquestra o nosso sistema imunológico, o linfócito T CD4!! - Inicialmente, apesar do vírus estar presente nesses linfócitos a doença ainda não é manifestada, entrando, portanto, em um estado de latência, se multiplicando em órgãos linfoides como o baço. Logo após, quando a destruição desses linfócitos pelo vírus superar a produção corporal, a imunidade comandada pelo linfócito T CD4 estará comprometida2.

 

2.2 Consequências da AIDS

 A principal consequência de perder essa ferramenta é a suscetibilidade a infecções oportunistas, que são infecções que se instalam nos pacientes devido a uma deficiência em seu sistema imune. Sendo elas: infecções por Herpes zóster (causada pelo mesmo vírus da catapora), Herpes simples, tuberculose, candidíase oral, infecções por Mycobacterium avium, dentre outras.

 

3.Imunodeficiências e a vacinação contra a COVID-19

As pessoas com um quadro de imunodeficiência acabam apresentando uma menor resposta às vacinas. A depender do tipo de imunodeficiência, a pessoa pode apresentar uma menor resposta humoral (produção de anticorpos), celular e até redução nas duas respostas.

Para algumas vacinas, o esquema de vacinação deve ser modificado para o tipo de imunossupressão que o paciente apresenta. Isso pode acarretar doses dobradas, esquemas com número de doses maiores, doses de reforço, menor intervalo entre as doses de reforço e até mesmo indicação de vacinas fora do calendário de rotina para a idade. Para um maior detalhamento, sugiro o tópico de “Pacientes Especiais” da Sociedade Brasileira de Imunização.

No caso das vacinas contra a COVID-19, já temos evidências que os pacientes com imunodeficiência falham em montar uma resposta adequada para o esquema vacinal padrão (2 doses da vacina). Importante destacar que o esquema padrão de duas doses é efetivo para o restante da população. Estas pessoas, que possuem “imunidade normal”, estão recebendo doses de reforço por outros motivos, como redução da efetividade da vacina com o passar dos meses e o surgimento de novas variantes. No caso do paciente com imunodeficiência, mesmo após o esquema de duas doses, a vacina não induz um padrão de resposta adequado e proteção como observado no restante da população. Por conta disso, o esquema padrão desses pacientes deve ser de três doses da vacina, ao invés de duas doses. Após essas 3 doses é recomendado uma dose de reforço, ou seja, o paciente com imunodeficiência deve tomar quatro doses da vacina.

Para ter uma ideia sobre a diferença da efetividade da vacina entre pessoas com imunodeficiência e pessoas sem imunodeficiência, vamos dar uma olhada no relatório do CDC com dados da vacina da Pfizer e Moderna, ambas de RNA.  Após duas doses da vacina, as pessoas com imunodeficiência apresentaram uma efetividade de 63%, enquanto nas pessoas sem imunodeficiência foi de 90%!

Diante do exposto, é altamente recomendado que pessoas com quadro de imunodeficiência devem completar o esquema vacinal com as 3 doses e tomar a dose de reforço, quarta dose. Além disso, é muito importante que os contatos familiares, também, completem o esquema padrão de vacinação.

 

4.Considerações finais

As imunodeficiências têm duas classificações e que podem existir por uma predisposição genética para tal, se for primária, ou ser adquirida em especificidade por qualquer indivíduo, se for secundária. A compreensão sobre o tema ainda requer diversos estudos, para que futuramente se possa tratar com maior efetividade essas condições.


Referências (livros):

1. GOLDMAN, L.; SCHAFER, A. Goldman Cecil Medicina. 24ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014;

2. ABBAS, A. K; LITCHTMAN, A. H; PILLAI, S. Imunologia Celular e Molecular.  9ª ed.  Rio de janeiro: GEN Guanabara Koogan, 2019.


Texto: Vitor Guilherme Oliveira Dinizio

Revisão técnica: Diego Moura Tanajura 

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