quarta-feira, 9 de março de 2022

Possível cura do HIV após transplante de células-tronco de cordão umbilical

 

Neste artigo discutimos:

Primeira Mulher “curada” do HIV após novo tratamento;

Quem são os outros três pacientes “curados” da infecção pelo HIV?

Paciente Berlim, Paciente Londres e Paciente Dusseldorf;

Será que existem pessoas que conseguiram eliminar o vírus HIV de forma natural?

O transplante de medula-óssea será o tratamento definitivo contra o vírus HIV?



Uma mulher dos EUA entrou para o pequeno grupo de pessoas possivelmente curadas do HIV. Com ela, já são quatro pessoas sem sinais do vírus HIV após diversos testes.

A mulher parou o tratamento antirretroviral em outubro de 2020, após realizar um transplante de células-tronco. Até aí, nada demais. No entanto, foram utilizadas nesse transplante células com deficiência no receptor CCR5, o responsável por mediar a entrada do vírus HIV nas nossas células.  Na ausência do CCR5, o vírus não consegue infectar os nossos linfócitos T CD4. Pessoas com mutações naturais no gene CCR5 apresentam resistência à infecção pelo HIV.



Mutação do gene CCR5 mostrando a incapacidade do HIV de se ligar na célula.

Fonte: aqui


Por que foi realizado o transplante de células-tronco?

A mulher, que também tinha leucemia, recebeu o transplante para tratar esse tipo de câncer. Então, como ela precisava passar pelo transplante para tratar o câncer, aproveitou-se para realizar o procedimento com células que apresentavam mutações no gene do receptor CCR5.


De forma bem resumida, este é o histórico clínico da paciente:

Mulher afro-americana com diagnóstico de infecção pelo HIV em junho de 2013 e que iniciou o tratamento antirretroviral logo em seguida. Antes do tratamento, apresentava uma carga viral de 1.000.000 copias/ml. Após iniciar o tratamento, em novembro de 2013, foi realizado novo exame laboratorial e observou redução significativa na carga viral, < 20 copias/ml. – Vejam o quanto evoluímos no tratamento contra o HIV, hoje conseguimos controlar bem a carga viral e o portador do vírus consegue ter uma vida praticamente normal -. Em março de 2017, ela foi diagnosticada com Leucemia Mieloide Aguda (LMA) – tipo de câncer que afeta a medula óssea.

 

Como foi o tratamento?

Por conta da quimioterapia, as células sanguíneas foram destruídas e a paciente tornou-se elegível para o transplante. Em agosto de 2017, ela recebeu transplante de células-tronco do cordão umbilical que tinha mutações no receptor CCR5. No entanto, as células do cordão umbilical demoram algumas semanas para “pegar”, começarem a se multiplicar e formarem novas populações de células sanguíneas. Lembrando que as nossas células de defesa fazem parte da população celular do sangue. Neste intervalo entre o transplante pegar e as células se multiplicarem, a paciente fica totalmente susceptível às infecções, já que suas células de defesa estão praticamente zeradas!!! Para impedir essa suscetibilidade, a paciente também recebeu doação de células da medula-óssea de um familiar. Essas células do familiar agiram como uma ponte, replicando mais cedo e fortalecendo o sistema imunológico. Depois, essas células são naturalmente substituídas pelas células-tronco do cordão umbilical (ver imagem abaixo).  

O tratamento antirretroviral foi interrompido 37 meses após o transplante. Mais de 14 meses depois da interrupção, não foi detectado NENHUM sinal do vírus HIV nos testes e nem anticorpos contra o vírus!

 

Esquema sobre o tratamento.

Imagem traduzida por Mellanie Fontes-Dutra e Diego Tanajura


E os outros 3 pacientes “curados”?

Além dessa paciente, três outros com câncer tiveram remissão do HIV após o transplante com células-tronco, que continham células com mutação no gene CCR5.

A primeira pessoa a ser curada da infecção pelo HIV foi Timothy Ray Brown, chamado de “paciente Berlim”. Ele recebeu o transplante de células-tronco com mutação no gene CCR5 para tratar o câncer. Em 2019, outros dois pacientes também foram curados, um homem em Londres (“paciente Londres”) e outro em Dusseldorf, na Alemanha (“paciente Dusseldorf”).

Timothy Ray Brown faleceu em 2020 por conta da recidiva da leucemia. Recomendo a leitura do texto que ele escreveu fazendo uma reflexão pessoal sobre a sua luta.

 Esses 4 casos aqui relatados, de possíveis curas do HIV, aconteceram com intervenção da ciência. Será que existem pessoas que conseguiram eliminar o vírus HIV de forma natural? Só com a ação do seu sistema imunológico?

Sim, existem! Dois casos já foram relatados por pesquisadores, o primeiro foi nos EUA e o segundo na Argentina. Ambos os casos foram em mulheres que conseguiram eliminar o vírus do corpo somente através do seu próprio sistema imunológico, sem o uso de drogas antirretrovirais.  

 

O transplante de medula-óssea será o tratamento definitivo contra o vírus HIV?

Muita calma nessa hora! Realmente, esses quatro relatos de pacientes com HIV possivelmente curados da infecção são feitos notórios da ciência! No entanto, o transplante de células-tronco só foi realizado porque esses pacientes desenvolveram câncer.

O transplante, seja de medula óssea ou do cordão umbilical, é algo arriscado, custoso e não é uma opção de tratamento para pacientes infectados com HIV, além daqueles que precisam desse artifício para tratar doenças como câncer. Por outro lado, todo o conhecimento gerado nesses tratamentos é importante para a ciência buscar formas mais seguras, baratas e exequíveis em larga escala para o tratamento e a cura das pessoas portadoras do vírus HIV.  

 

Mensagem final

Para finalizar, vou utilizar um trecho do editorial publicado na revista científica “The Lancet”: “A mensagem para os formadores de políticas, financiadores, mídia e público é clara – o HIV não é uma infecção curável para qualquer um, mas para um número pequeno de pessoas em circunstâncias excepcionais. A busca por uma cura escalável continua e deve ser bem financiada, mas enquanto a busca continua, o investimento em medidas comprovadas de tratamento e prevenção é mais importante do que nunca”.   



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