quinta-feira, 31 de março de 2022

Caso clínico 1. Agamaglobulinemia ligada ao X (Doença de Bruton)

 

Resolução aqui.

João nasceu após uma gravidez sem intercorrências, pesando 3,1 Kg. Os seus primeiros 6 meses de vida foram praticamente normais. Aos 7 e 11 meses foi internado com pneumonia por Haemophilus influenzae. Depois dos 12 meses, teve 4 episódios de otite média e erisipela. Todas essas infecções responderam prontamente aos antibióticos apropriados. No entanto, sua mãe, uma enfermeira, notou que seu filho estava em constante uso de antibióticos.

Sua mãe teve dois irmãos que morreram por pneumonia aos dois anos de idade. Ela também tem duas irmãs saudáveis.

Numa consulta aos 2 anos, foi constatada uma criança pálida e magra, com altura e peso abaixo do percentil ideal. Não havia outras características anormais. Ele havia sido imunizado* com as vacinas: pentavalente  (Diftéria, Tétano, Coqueluche, Meningite por Hib e hepatite B); Meningo C; Poliomielite (Salk). Além disso, ele havia recebido vacina contra sarampo, caxumba e rubéola. Todas as imunizações ocorreram sem intercorrências.  

Por conta das suas infecções recorrentes, foi solicitada uma investigação imunológica. Os resultados mostraram redução acentuada em todas as 3 classes de imunoglobulinas do soro e nenhuma produção específica de anticorpos (ver tabela).

A citometria de fluxo mostrou que 85% os linfócitos se ligaram ao anticorpo anti-CD3, um marcador de célula T (resultado normal); 55% foram classificados como linfócitos T CD4 (marcação com anticorpos anti-CD4) (resultado normal) e 29% como T CD8 (marcação com anticorpos anti-CD8) (resultado normal). No entanto, nenhum linfócito do sangue periférico teve marcação com anticorpos anti-CD19 (normal 12%), um marcador de células B.  

A ausência de linfócitos B maduros no sangue periférico sugere uma falha na diferenciação de células B, que somada à história familiar sugere fortemente o diagnóstico de agamaglobulinemia ligada ao X.

O diagnóstico de agamaglobulinemia foi fechado através da detecção de mutação no gene Btk. A deficiência de anticorpos foi tratada através da aplicação intravenosa de imunoglobulina humana (IgG), 2x na semana.

Ao logo dos anos, a sua saúde melhorou constantemente, peso e altura estão normais, e ele só teve um episódio de otite média nos últimos 4 anos. Ele agora tem 12 anos e pode se tratar com imunoglobulina de reposição subcutânea em casa.  

 

*Observem que não foi falado da vacina BCG. Por ser um caso clínico traduzido e adaptado de dois livros: um livro americano e outro britânico, a vacina não é obrigatória nestes países.


                                    Fonte: aqui


                                    Fonte: aqui

Figura 1. Análise de citometria de fluxo de um indivíduo normal (esquerda) e de João, paciente com agamaglobulinemia ligada ao X, (direita). Os linfócitos do sangue de um indivíduo normal se ligam ao marcador de células B (anticorpo anti-CD19) e marcador de células T (anticorpo anti-CD3). No entanto, os linfócitos do sangue de João, apenas se ligam ao marcador de linfócitos T (anticorpo anti-CD3). Isso indica a ausência de células B nesse paciente. 


O caso abordado acima foi traduzido e adaptado de dois relatos de casos obtidos das seguintes referências:

1)     Essentials of Clinical Immunology, Includes Wiley E-Text, 6th Edition;

2)     Case Studies in Immunology: A Clinical Companion.


 

Perguntas:


1)      Por que João estava bem nos primeiros 6 meses de vida, sem nenhuma infecção? Como você explicaria isso?

 

2)    Pacientes com alguma imunodeficiência não devem tomar vacinas de microrganismos atenuados. Vários meninos com agamaglobulinemia ligada ao X que receberam a vacina da pólio atenuada, desenvolveram paralisia infantil. Qual a sequência de eventos levou ao desenvolvimento da pólio nesses meninos?  

 

3)     As infecções recorrentes em João foram por infecções bacterianas por Streptococcus e Haemophilus. Essas bactérias possuem uma fina capsula composta de polissacarídeos, que as protegem do ataque direto por fagócitos. Os humanos produzem anticorpos IgG2 contra esse polissacarídeo. O anticorpo IgG2 “opsoniza” a bactéria, facilitando a fagocitose por células fagocíticas. Qual outro defeito genético no sistema imune poderia clinicamente mimetizar a agamaglobulinemia ligada ao x (focar no ponto da opsonização)?  Quais são as classes e subclasses de anticorpos humanos?

 

4)     Qual a explicação para as infecções virais e por bactérias intracelulares serem incomuns em crianças com agamaglubolinemia ligada ao x? 


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