terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Caso Clínico IV - COVID-19

 

Senhor José, com 70 anos e diabético, deu entrada no PS do HU de Lagarto com um quadro de dispneia, febre, tosse e dores pelo corpo. Além disso, foi observada uma ferida no pé direito do paciente que não cicatrizava há mais de 6 meses.

O resultado do hemograma mostrou presença de linfopenia, monocitopenia e neutrofilia. Já os eritrócitos, basófilos e plaquetas estavam com seus níveis normais. O plantonista explicou ao filho de José, que seu pai fora infectado pelo SARS-CoV-2, um vírus causador de doenças respiratórias. Complementou que idosos com doenças crônicas apresentam um risco maior de complicações por conta dos mecanismos de agressão do vírus e, pela elevada ativação dos mecanismos de defesa contra o patógeno.

No terceiro dia de internação, o Sr. José contraiu uma infecção bacteriana, sendo solicitado uma coloração de gram para determinar se a infecção era por bactérias gram-positivas ou gram-negativas. A equipe de saúde também se preocupou em detectar se a bactéria seria intracelular ou extracelular, pois os mecanismos de agressão e defesa são diferentes.

O resultado da coloração indicou infecção por bactéria gram-negativa, e poucas horas depois, infelizmente o Sr. José faleceu por choque-séptico devido ao LPS liberado, o qual induziu uma inflamação com intensa produção de mediadores pelas células de defesa.



Perguntas


1)     Por que pacientes diabéticos fazem parte do grupo de risco para o desenvolvimento da forma grave da covid-19?

 2)     Qual a explicação para a lenta cicatrização em pacientes diabéticos?

 3)      Explique o resultado do hemograma do paciente - linfopenia, monocitopenia e neutrofilia.

 4)     Quais os mecanismos de agressão dos vírus?

 5)     Quais os mecanismos de defesa contra os vírus?

 6)     Em termos de resposta imune, os extremos são perigosos. Quais são os perigos de uma resposta imune fraca e de uma resposta imune forte?

 7)     “...se a bactéria seria intracelular ou extracelular, pois os mecanismos de agressão e defesa são diferentes.”. Diferencie estes mecanismos de agressão pelas bactérias e defesa pelo hospedeiro.  

8)     O paciente faleceu em decorrência de choque séptico causado por produtos bacterianos. Explique a fisiopatologia do choque séptico, e se existe alguma relação entre o choque séptico e a tempestade de citocinas, bem como os superantígenos bacterianos.

 9)     A figura abaixo mostra a produção de mediadores imunes e a carga viral em dois pacientes infectados pelo SARS-CoV-2.

a)     Qual paciente vai ter pior desfecho?

b)     Qual a explicação para esse pior desfecho?



Fonte: Nature Reviews Immunology volume 20, pages453–454(2020)





terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Caso clínico III - Vacinas e infecção

 


O caso clínico abaixo oferece uma oportunidade para discutir a microbiologia e a resposta imunológica frente à infecção/vacinação. É essencial que o aluno(a) compreenda não apenas os aspectos patológicos, mas também as implicações sociais e comportamentais que afetam a saúde da população.

**********

 

Marina, bebê de 3 semanas de idade, é levada ao PS da pediatria por seus pais. Nos últimos 5 dias a bebê apresentou febre e tosse, mas agora apresenta uma tosse tão grave que está vomitando.

Gael, 7 anos, irmão de Marina, também está doente. Ele apresenta coriza e tosse branda. Os pais das crianças não acreditavam que a doença de Marina fosse grave até ela começar a vomitar. O Dr. Marcos, médico residente em pediatria, admitiu a bebê no hospital para testes e observações. Ela é hospitalizada por 5 dias.

O Dr. Marcos examina Marina durante os dias de internação no hospital. Em nenhum momento ele utiliza máscara para proteção facial.

 

Resultados dos exames de Marina:

O exame de sangue mostrou a presença de leucocitose e linfocitose absoluta.

O swab da garganta foi positivo para o DNA da bactéria Bordetella pertussis.

 

Diante do diagnóstico positivo para coqueluche, a equipe de saúde entrou com a antibioticoterapia em Marina e solicitou a cultura da garganta dos pais e do irmão Gael. Os resultados da cultura foram negativos nos pais e positivo para B. pertussis em Gael.

Como se observa frequentemente em crianças maiores e adultos, os sintomas de Gael são mais brandos do que os de sua irmã; recém-nascidos que contraem coqueluche podem ficar gravemente doentes, chegando até a morte.

Nove dias após a exposição inicial à doença de Marina, o Dr. Marcos apresenta coriza e 4 dias depois tosse. O médico supõe ter contraído um resfriado e recusa a profilaxia recomendada com eritromicina. Uma investigação mais detalhada identifica outros 5 casos de coqueluche em profissionais da saúde (um terapeuta respiratório, um técnico radiológico e três estudantes de enfermagem – todos da clínica médica), além de mais 6 pacientes (3 na pediatria e 3 na clínica médica).  

 

No Brasil, em 2023 foram registrados 214 casos da doença e em 2024 foram mais de 6 mil casos.

Segundo Eder Gatti Fernandes, diretor do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do MS - “Os casos graves de coqueluche estão todos acontecendo nos bebês. Inclusive, os óbitos registrados até o momento aconteceram em bebês. Esses bebês têm uma característica em comum: todos são filhos de mães não vacinadas”.

É importante destacar que adultos a adolescentes podem ser um reservatório para B. pertussis na comunidade, uma vez que a imunidade decorrente da vacinação infantil começa a declinar de 5 a 15 anos após a última dose da vacina contra a coqueluche.

No Brasil, a vacinação no SUS está disponível para crianças de até 6 anos, gestantes e profissionais da saúde que atuam em maternidades e em unidades de Internação neonatal.

A percepção pública acerca da importância da vacinação infantil também diminuiu; por conseguinte, muitas crianças não estão completamente imunizadas. Foi o que aconteceu com o Gael. Ele não foi vacinado contra a doença, pois seus pais ouviram boatos de que as vacinas poderiam causar efeitos adversos graves e até mesmo a morte.


  • Caso clínico adaptado do livro: TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L. Microbiologia. 12. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

 Perguntas

1.     1.Comente os resultados dos exames laboratoriais da paciente. A Bordetella pertussis é uma bactéria gram + ou -?

2.     2.Que outras células poderiam participar na defesa contra a infecção pela bactéria B. pertussis? Quais os mecanismos de defesa destas células?

3.      3.Qual a explicação imunológica para Gael e o Dr. Marcos não terem desenvolvido a forma grave da doença?

4.      4.Como o Dr. Marcos, os outros profissionais de saúde e pacientes contraíram a infecção?

5.      5.Comente a atitude dos pais de Marina e Gael frente as vacinas? O que poderíamos fazer para mudar essa situação?

6.      6.Segundo o diretor do PNI, os óbitos em crianças pela coqueluche em 2024 têm uma característica em comum: todos são filhos de mães não vacinadas. Use a imunologia para comentar sobre este fato. De que forma a vacinação das mães poderia evitar esses óbitos?

7.      7.O que você acha sobre o público-alvo para a vacinação contra a coqueluche? Faria alguma alteração neste público?

Sugestão de leitura: post 1 e post 2

8.      8.Após o susto, os pais de Marina e Gael decidiram vacinar seus filhos.

a.      Quais vacinas a Marina poderia tomar?

b.      Faça um gráfico semelhante ao da figura 1.2 do Abbas sobre o título de anticorpo sérico em Gael após a 1ª dose da vacina dTpa (obs.: O gráfico deve abordar somente os anticorpos contra a bactéria causadora da Coqueluche). 





terça-feira, 20 de agosto de 2024

O menino da bolha – Parte 3 de 3

 

Este texto é uma mera transcrição de uma trilogia de posts que fizeram muito sucesso no início do @imuno_News lá no Instagram

Veja aqui o post original.





São perguntas difíceis e reflexivas, mas para um menino não era opção de escolha e abrir mão de tudo isso era uma necessidade para viver!


David Phillip Vetter, mais conhecido como o "menino da bolha", nasceu em 21 de setembro de 1971, no Texas, Estados Unidos. Ele tinha uma imunodeficiência
  rara, conhecida como SCID. Por conta disso, praticamente não tinha sistema imune funcional. Coisas simples, como receber um beijo da mãe ou um abraço, era fatal para ele.

Com apenas 20 segundos de vida, David foi colocado dentro de uma bolha de plástico, onde viveu por 12 anos‼️
Até hoje, ele é o maior sobrevivente da SCID entre os não tratados. Tudo isso, por conta do ambiente estéril dentro da bolha, que o isolava do mundo externo.

Normalmente, pacientes não tratados com SCID não chegam a completar um ano de vida (veja aqui o último
 texto que falo sobre os aspectos imunológicos da SCID).





Tudo que era colocado dentro da bolha deveria ser esterilizado. Suas bebidas, comidas, roupas, brinquedos e até sua TV passavam por esse processo antes de entrar na bolha. A maior vontade dele era poder tomar uma simples Coca-Cola. Entretanto, o processo de esterilização acabava por mudar o gosto da bebida e essa vontade não pôde ser realizada.


Aos seis anos, David deu os seus primeiros passos fora da bolha, utilizando um traje espacial feito sob medida para ele pela NASA. Para se ter uma ideia da complexidade de sair da bolha e vestir o traje espacial, era preciso seguir 52 etapas para manter o ambiente estéril.  Graças ao traje espacial, mãe e filho puderam se abraçar pela primeira vez.

Em 1983, seus médicos tentaram uma nova técnica de transplante de medula óssea, que permitia o procedimento entre doadores não totalmente compatíveis. A medula foi doada pela sua irmã. Poucos meses depois de receber o transplante, David adoeceu pela primeira vez e teve que ser retirado da bolha para tratamento. Neste momento, sua mãe pôde tocá-lo pela primeira vez.

Quatro meses depois, David faleceu de Linfoma de Burkitt. O câncer foi causado pelo vírus Epstein-Barr que estava dormente nas células doadas pela sua irmã.


O menino da bolha – Parte1 de 3

O menino da bolha – Parte2 de 3


Referências

RENNIE, Drummond. 'Bubble Boy'. JAMA, v. 253, n. 1, p. 78-80, 1985.


https://www.nytimes.com/2015/12/07/us/the-boy-in-the-bubble-moved-a-world-he-couldnt-touch.html


https://www.cbsnews.com/pictures/bubble-boy-40-years-later-look-back-at-heartbreaking-case/2/





quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Diagnóstico post-mortem de anafilaxia: declaro o pêssego culpado!

  Tópicos abordados:

 

- Anafilaxia;

- Mastócitos;

- Mecanismos da hipersensibilidade imediata;

- Os desafios para o diagnóstico post-mortem de anafilaxia;

- Declaro o pêssego culpado!


“O coração humano não é um disco rígido que podemos dissecar para perscrutar os segredos que encerram cada tecla pressionada ao longo de uma vida”.

 - Vincent Di Maio & Ron Franscell, em O Segredo dos Corpos.


A área da imunologia possui suma importância para a compreensão dos mecanismos de “guerra” do corpo humano contra patógenos (ou não-patógenos), tendo atuação crucial no desenvolvimento de vacinas e outros recursos que diariamente salvam vidas. Mas, qual a sua contribuição para as pessoas que não puderam ser salvas pelas ciências da saúde?

A anafilaxia, também conhecida por choque anafilático, trata-se de uma reação de hipersensibilidade imediata que pode ser fatal. Ocorre após a exposição repetida a antígenos presentes em alimentos, fármacos, injeções, picadas de insetos ou absorvidos por epitélio (como os da pele e mucosa intestinal).1 Seus sintomas incluem a constrição das vias aéreas superiores e inferiores pela formação de edemas, vasodilatação e hipotensão, bem como asfixia, taquicardia, dispneia, arritmias, colapso cardiovascular e parada cardíaca.3 O tratamento envolve a administração de epinefrina sistêmica, que reverte os efeitos broncoconstritores e vasodilatadores que ocorrem, ou também anti-histamínicos.1 Porém, a rápida evolução pode tornar a possibilidade de tratamento inacessível, evoluindo à morte.

Figura 1. Mastócito e a sua degranulação.  Imagem por: Layla Grazielly da Silva Cruz.


·       Os anticorpos IgE como o oposto de proteção


Os personagens principais desta guerra são os mastócitos, células do sistema imune presentes em epitélios e mucosas que são provenientes da medula óssea, e responsáveis pelos sintomas das doenças alérgicas (Figura 1). Seus grânulos citoplasmáticos são preenchidos por mediadores como citocinas, histamina e proteases.1

Tudo começa com a exposição ao antígeno, seguida da ligação de anticorpos IgE aos mastócitos, chamada sensibilização, que fornece o reconhecimento de antígeno para reações de hipersensibilidade imediata.1 As células T auxiliares (helper) CD4+ do subgrupo TH2 estimulam a produção de anticorpos IgE para mastócitos, e estabelecida uma ligação, os mastócitos são ativados ao serem expostos novamente ao antígeno e liberam os seus mediadores, cujos induzem o aumento da permeabilidade vascular, contração do músculo liso brônquico e visceral e vasodilatação.1 Todo este processo está ilustrado na figura 2.

 Ou seja, o alérgeno torna os leitos vasculares do corpo acessíveis para os mediadores liberados. A triptase é uma protease exclusiva dos mastócitos pré-formada e armazenada nos grânulos que induz lesão tecidual, e quando detectada em fluidos biológicos, indica ativação de tais células, já que sua resposta biológica inclui a degranulação. 1


Figura 2. Sequência de eventos nas reações de hipersensibilidade. Abbas (2011).


·       Os desafios para o diagnóstico post-mortem de anafilaxia


A epidemiologia da mortalidade causada por reações anafiláticas possui uma avaliação prejudicada pela falta de exames para diagnóstico, havendo somente a dosagem de triptase.4 Porém, mesmo que essa enzima seja encontrada em altas concentrações por estudos de mortes relacionados com choques anafiláticos, ela começa a voltar aos seus valores basais em cerca de 6h após o início da reação alérgica.3 Os achados necroscópicos mais comuns são visualizados nas vias respiratórias pela presença de edemas, secreção brônquica mucoide, lúmen dos bronquíolos com tampão de muco e enfisema pulmonar.3 Pode também ocorrer a congestão de fígado e baço, mas a ausência de todos esses sinais macroscópicos não exclui a possibilidade de anafilaxia: por ser uma reação rápida, talvez não haja tempo suficiente para o surgimento de sinais característicos.3

            A exposição ao alérgeno pode ser acidental ou proposital.5 Os casos acidentais mais abundantes envolvem fármacos e erro médico, sendo anafilaxia a causa mais alegada de morte em cirurgias.3 Um caso notável de exposição proposital envolve um homem albanês de 30 anos, condenado e preso em Milão por porte de drogas, que foi encontrado morto em sua cela, com restos de pêssego ao seu lado e um bilhete no bolso. “Estou dando um fim nisso! Sou alérgico... Comi algo que eu sei que irá me matar...”. A necropsia revelou congestão hepática, pulmonar e renal, bem como sangue e muco nos lúmens traqueal e bronquial, mas não evidenciou a presença de edemas ou reações epiteliais características de reações alérgicas.5 Como a causa mortis ainda não se tornara clara, os documentos da vítima foram investigados, mas não abordavam idealizações suicidas nas avaliações psicológicas, menções a alergias alimentares, nem tratamento farmacológico em execução, somente que era um dependente químico com histórico de ataques de asma.5

 

 Foi somente através de exames sorológicos, toxicológicos, histológicos e imunohistoquímicos que a suspeita de anafilaxia tornara-se maior. Testes post-mortem revelaram uma concentração de IgE elevada no sangue da vítima, e a triptase excedia os valores de referência para indivíduos saudáveis (Tabela 1). Drogas ilícitas e álcool não foram encontrados no corpo da vítima, mas sim uma presença massiva no conteúdo gástrico de ácido salicílico, substância presente em pêssegos. O lado direito da glote da vítima estava afetado por infiltrado celular inflamatório crônico moderado, havia congestão e dilatação vascular, e foram identificadas células consistentes à estrutura de mastócitos sem grânulos, bem como grânulos no tecido conectivo subepitelial entre as fibras musculares. O conjunto desses fatores, mesmo que circunstanciais, são consistentes à conclusão de que houve uma reação alérgica, e assim, a morte da vítima foi atribuída à causa de anafilaxia.5


 

Adultos saudáveis

Vítima

Anticorpos IgE

< 100 kU/l 

154 kU/l

Triptase sérica

5,6 - 9,8 μg /l

15,7 μg/l

Tabela 01: Valores de referência e resultados obtidos nos exames. Fonte: Tambuzzi et al. (2021).


Dentre os exames imunohistoquímicos, a dosagem dos níveis de triptase é um dos mais seguros, mas não o suficiente: seus altos níveis no organismo também podem ocorrer em casos de asfixia, mastocitose sistêmica e intoxicação por heroína, por exemplo.5 Nesse cenário, até para patologistas forenses torna-se difícil a identificação da anafilaxia letal, sendo necessário um quebra cabeça com várias peças (achados circunstanciais) formando uma única imagem (conclusões coerentes). Usualmente, é através da exclusão de outras possibilidades que a anafilaxia é considerada.6

 

É como se os mastócitos fossem um bolo formigueiro, e a triptase os granulados: ao comer, o consumidor tem granulado em seu conteúdo estomacal. Mas, como saber se aquele granulado realmente veio de um bolo formigueiro ou não de um brigadeiro, por exemplo? Pode-se investigar a falta da fatia do bolo ou do brigadeiro na casa do indivíduo. São conclusões ainda não definitivas, somente suficientes para traçar um caminho de presunção do que houvera acontecido.


Referências Bibliográficas

1.     1. Abbas A. K., Lichtman A.H., Pillai S. Imunologia Celular & Molecular – 7ª edição - Ed. Elsevier. Rio de Janeiro. 2011. p. 425-429, 439-440.

2.     2. Del Duca F, Manetti AC, Maiese A, Napoletano G, Ghamlouch A, Pascale N, Giorgio B, Paola F, Russa R. Death Due to Anaphylactic Reaction: The Role of the Forensic Pathologist in an Accurate Postmortem Diagnosis. Medicina (Kaunas). 2023 Dec 15;59(12):2184. doi: 10.3390/medicina59122184. PMID: 38138287; PMCID: PMC10744436. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38138287/ . Acesso em: 01 jun 2024.

3.    3. França, Genival Veloso de. Medicina legal - 11° edição - Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. ISBN: 978-85-277-3227-7. p. 1492-1494 (pdf).

4.     4. Silva EGM, Castro FFM. Epidemiologia da anafilaxia. Braz J Allergy Immunol. 2014;2(1):21-27. Disponível em: http://aaai-asbai.org.br/detalhe_artigo.asp?id=680 . Acesso em: 01 jun 2024.

5.     5. Tambuzzi, S., Gentile, G., Boracchi, M. et al. Postmortem diagnostics of assumed suicidal food anaphylaxis in prison: a unique case of anaphylactic death due to peach ingestion. Forensic Sci Med Pathol 17, 449–455 (2021). https://doi.org/10.1007/s12024-021-00373-1 . Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s12024-021-00373-1?fromPaywallRec=true#citeas . Acesso em: 01 jun 2024.

6.     6. Wang X, Yin C, Su X, Su M. Reliable Postmortem Molecular Diagnosis of Anaphylaxis: Co-localization of Mast Cell Degranulation and Immunoglobulin E in Allergic Throat Tissues. Am J Forensic Med Pathol. 2020 Dec;41(4):249-258. doi: 10.1097/PAF.0000000000000572. PMID: 32568883; PMCID: PMC7668346. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7668346/ . Acesso em 01 jun 2024.



Texto por: Layla Grazielly da Silva Cruz

 Revisão técnica: Diego Moura Tanajura 



quarta-feira, 3 de julho de 2024

DIFERENCIAÇÃO DAS CÉLULAS T CD8+ EM LINFÓCITOS T “MATADORES”

    Tópicos abordados:

 

- Diferenciação das células T CD8+;

- Apresentação cruzada de antígenos;

- MHC classe I e II;

- Papel das células T CD4+ na diferenciação dos linfócitos T CD8+;

- Licenciamento das APCs.


No artigo anterior, abordamos sucintamente o crucial processo de diferenciação dos linfócitos T CD8+ naive em linfócitos T CD8+ citotóxicos (CTLs) efetores (“matadores”). Neste contexto, alinhados à premissa de que o sistema imunológico desempenha um papel fundamental na supressão de células tumorais, pretendemos explorar de maneira mais aprofundada a dinâmica desse processo de diferenciação.

Sugiro a leitura desse nosso outro artigo – Entendendo os linfócitos naive, efetores e de memória. 

Basicamente, o processo de diferenciação dos linfócitos T citotóxicos (CTLs) envolve a transcrição gênica, resultando na ativação e expressão de genes específicos que codificam moléculas efetoras. Ou seja, novos genes são transcritos. No entanto, para que esse processo ocorra, é necessária a cooperação de dois programas de expressão: o T-bet e a eomesodermina. Ambos atuam sinergicamente para promover a expressão de grandes quantidades de perforinas e granzimas (proteínas contidas nos lisossomos celulares, responsáveis pela destruição da célula-alvo), além de algumas citocinas, especialmente o IFN-γ, associado à ativação dos fagócitos. Essa coordenação entre o T-bet e a eomesodermina é fundamental para a eficácia da resposta imunológica mediada por células T CD8+ na eliminação de ameaças, como células tumorais e células infectadas por vírus.


Mas, para que os novos genes sejam expressos, as células necessitam de sinais que viabilizem essa transcrição gênica, como o reconhecimento do antígeno trazido aos órgãos linfoides secundários pelas APCs (Células apresentadoras de antígenos), além de alguns sinais secundários, destacados na figura 1, que ocorrem sequencialmente da seguinte maneira: 

 

a.              após serem sinalizadas, as células T CD8+ reconhecem os antígenos apresentados pelas células dendríticas nos órgãos linfoides periféricos; 

 

b.              são estimuladas a proliferar e se diferenciar em células efetoras (CTLs); 

 

c.               os CTLs entram na corrente sanguínea e migram para os sítios de crescimento tumoral, por exemplo, onde reconhecem o antígeno; e 

 

d.              respondem realizando o killing das células nas quais o antígeno é produzido, por meio das proteínas citadas anteriormente (perforinas e granzimas).


Figura 1: Fases de indução e efetora das respostas de células T CD8+. Abbas (2019). 


A partir disso, podemos notar a imensa importância dos antígenos e das células apresentadoras de antígeno (APCs) para consolidar a diferenciação, uma vez que servem como meio de viabilização para a primeira etapa do processo (reconhecimento do antígeno e indução de uma resposta nos órgãos linfoides). 


Uma pausa para uma discussão importante!!!

 A ativação de células T CD8+ naive é melhor realizada pelas Células Dendríticas, através da apresentação de antígeno. 

Gravem isso na cabeça!

 No entanto, para a célula dendrítica apresentar o antígeno via MHC classe I para as células T CD8+, este antígeno DEVE estar no citosol das células dendríticas (DCs).

 

Daí que vem o problema... A maioria dos vírus, por exemplo, é incapaz de infectar as DCs. Isso quer dizer, que as proteínas codificadas por esses vírus não serão produzidas no citosol das DCs.  


Então, como fazer com que as DCs ativem as células T CD8+?

O sistema imune lida com este problema através da apresentação cruzada de antígenos! (Ver figura 2).

E atenção!!! Aquela regra básica de que peptídeos derivados pelo lisossomo (quando o antígeno é fagocitado pelas APCs) são apresentados via MHC de classe II, enquanto aqueles derivados pelo proteassomo são apresentados em moléculas de MHC de classe I (quando o antígeno está no citosol) NUNCA é violada!

Antes de voltar para o tema do nosso post, vou mandar mais uma dica:

MHC classe I apresenta antígeno para as células T CD8+.

MHC classe II apresenta antígeno para as células T CD4+.

Para nunca mais esquecer, basta multiplicar a classe do MHC pelo número da célula T:

- MHC de classe I x 8 = 8

- MHC de classe II x 4 = 8

O resultado sempre tem que ser 8.



Figura 2: Apresentação cruzada de antígenos para células T CD8 +. Abbas (2019). 




Voltando...

Esse sistema de apresentação do antígeno à célula T é conhecido como apresentação cruzada, ou simplesmente cross-priming, e é muito interessante. Basicamente, as APCs, geralmente as células dendríticas, ingerem os antígenos expressos pelas células tumorais ou ingerem células infectadas por vírus, os quais são transportados para o citoplasma celular e são processados pelos proteassomos, e apresentados ligados com as moléculas do MHC de classe I a células T CD8+ (Ver figura 2).


Mas qual seria o papel das células T CD4+ durante todo esse processo de diferenciação? 


Estudos em camundongos mostram a importância variável das células T CD4+ para o desenvolvimento de uma resposta por CTLs (linfócitos T CD8+). Ao isolar camundongos que não apresentam células T auxiliares (linfócitos T CD4+), algumas infecções virais falharam em gerar CTLs eficazes ou células T CD8+ de memória, o que resultou na incapacidade de erradicar a infecção. Um exemplo claro em humanos são os indivíduos infectados pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), nos quais o agente infeccioso atinge principalmente as células T CD4+, causando defeitos na geração de CTLs.


Em cima, destacamos que a importância das células T CD4+ é variável, pelo seguinte motivo: quando a resposta imune inata é mais “fraca”, geralmente contra infecções virais latentes, transplantes de órgãos e tumores, as células T auxiliares são necessárias para induzir respostas de células T CD8+. No entanto, quando a resposta inata é mais “forte”, as células T auxiliares podem não ser essenciais.


Essas células T auxiliares podem ativar as células T CD8+ de diversos modos, seja por meio de citocinas que servem como sinais de diferenciação, como ilustrado na figura 3, ou através de um processo chamado licenciamento das APCs. Esse processo ocorre quando há expressão de ligantes CD40 (CD40L), os quais podem se ligar ao CD40 nas células apresentadoras de antígeno (APCs) carregadas com antígenos. Essa interação ativa as APCs e as tornam mais eficientes na estimulação da diferenciação das células T CD8+, induzindo a expressão dos coestimuladores.




Figura 3: Papel das células T auxiliares na diferenciação de linfócitos T CD8 +. Abbas (2019). 


Em suma, a diferenciação das células T CD8+ naive em células T CD8+ citotóxicas efetoras é um processo complexo e essencial na resposta imunológica contra ameaças como células tumorais e patógenos intracelulares, sendo fundamental a compreensão detalhada desses mecanismos para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas voltadas para potencializar a resposta imunológica contra o câncer e outras doenças.

 

Referência:

ABBAS, A.K; LICHTMAN, A.H; PILLAI, S. Imunologia celular e molecular. Elsevier, 9 ed. 2019.


Texto: Matheus Vinícius Cardoso Santos

Revisão técnica: Diego Moura Tanajura 

Caso Clínico IV - COVID-19

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