Tópicos abordados:
- Diferenciação das células T CD8+;
- Apresentação cruzada de antígenos;
- MHC classe I e II;
- Papel das células T CD4+ na diferenciação
dos linfócitos T CD8+;
- Licenciamento das APCs.
No artigo anterior, abordamos
sucintamente o crucial processo de diferenciação dos linfócitos T CD8+ naive
em linfócitos T CD8+ citotóxicos (CTLs) efetores (“matadores”). Neste contexto,
alinhados à premissa de que o sistema imunológico desempenha um papel
fundamental na supressão de células tumorais, pretendemos explorar de maneira
mais aprofundada a dinâmica desse processo de diferenciação.
Sugiro a leitura desse nosso
outro artigo – Entendendo os linfócitos naive, efetores e de memória.
Basicamente, o processo de
diferenciação dos linfócitos T citotóxicos (CTLs) envolve a transcrição gênica,
resultando na ativação e expressão de genes específicos que codificam moléculas
efetoras. Ou seja, novos genes são transcritos. No entanto, para que esse
processo ocorra, é necessária a cooperação de dois programas de expressão: o
T-bet e a eomesodermina. Ambos atuam sinergicamente para promover a expressão
de grandes quantidades de perforinas e granzimas (proteínas contidas nos
lisossomos celulares, responsáveis pela destruição da célula-alvo), além de
algumas citocinas, especialmente o IFN-γ, associado à ativação dos fagócitos.
Essa coordenação entre o T-bet e a eomesodermina é fundamental para a eficácia
da resposta imunológica mediada por células T CD8+ na eliminação de ameaças,
como células tumorais e células infectadas por vírus.
Mas, para que os novos genes
sejam expressos, as células necessitam de sinais que viabilizem essa
transcrição gênica, como o reconhecimento do antígeno trazido aos órgãos
linfoides secundários pelas APCs (Células apresentadoras de antígenos), além de
alguns sinais secundários, destacados na figura 1, que ocorrem
sequencialmente da seguinte maneira:
a.
após
serem sinalizadas, as células T CD8+ reconhecem os antígenos apresentados pelas
células dendríticas nos órgãos linfoides periféricos;
b.
são
estimuladas a proliferar e se diferenciar em células efetoras (CTLs);
c.
os
CTLs entram na corrente sanguínea e migram para os sítios de crescimento
tumoral, por exemplo, onde reconhecem o antígeno; e
d.
respondem
realizando o killing das células nas quais o antígeno é produzido, por
meio das proteínas citadas anteriormente (perforinas e granzimas).
Figura 1: Fases de indução e efetora das respostas de
células T CD8+. Abbas (2019).
A partir disso, podemos notar a
imensa importância dos antígenos e das células apresentadoras de antígeno
(APCs) para consolidar a diferenciação, uma vez que servem como meio de
viabilização para a primeira etapa do processo (reconhecimento do antígeno e
indução de uma resposta nos órgãos linfoides).
Uma pausa para uma discussão importante!!!
A ativação de células T CD8+ naive é melhor realizada pelas Células Dendríticas, através da apresentação de antígeno.
Gravem isso na cabeça!
No entanto, para a célula dendrítica apresentar o antígeno via MHC classe I para as células T CD8+, este antígeno DEVE estar no citosol das células dendríticas (DCs).
Daí que vem o problema... A
maioria dos vírus, por exemplo, é incapaz de infectar as DCs. Isso quer dizer,
que as proteínas codificadas por esses vírus não serão produzidas no citosol
das DCs.
Então, como fazer com que as DCs
ativem as células T CD8+?
O sistema imune lida com este
problema através da apresentação
cruzada de antígenos! (Ver figura 2).
E atenção!!! Aquela regra básica de que peptídeos derivados pelo
lisossomo (quando o antígeno é fagocitado pelas APCs) são apresentados via MHC
de classe II, enquanto aqueles derivados pelo proteassomo são apresentados em moléculas
de MHC de classe I (quando o antígeno está no citosol) NUNCA é violada!
Antes de voltar para o tema do nosso post, vou mandar mais uma dica:
MHC classe I apresenta antígeno para as células T CD8+.
MHC classe II apresenta antígeno para as células T CD4+.
Para nunca mais esquecer, basta multiplicar a classe do MHC pelo número da célula T:
- MHC de classe I x 8 = 8
- MHC de classe II x 4 = 8
O resultado sempre tem que ser 8.
Figura 2:
Apresentação cruzada de antígenos para células T CD8 +. Abbas
(2019).
Voltando...
Esse sistema de apresentação do
antígeno à célula T é conhecido como apresentação cruzada, ou simplesmente cross-priming,
e é muito interessante. Basicamente, as APCs, geralmente as células
dendríticas, ingerem os antígenos expressos pelas células tumorais ou ingerem
células infectadas por vírus, os quais são transportados para o citoplasma
celular e são processados pelos proteassomos, e apresentados ligados com as
moléculas do MHC de classe I a células T CD8+ (Ver figura 2).
Mas qual seria o papel das
células T CD4+ durante todo esse processo de diferenciação?
Estudos em camundongos mostram a
importância variável das células T CD4+ para o desenvolvimento de uma
resposta por CTLs (linfócitos T CD8+). Ao isolar camundongos que não
apresentam células T auxiliares (linfócitos T CD4+), algumas infecções virais
falharam em gerar CTLs eficazes ou células T CD8+ de memória, o que resultou na
incapacidade de erradicar a infecção. Um exemplo claro em humanos são os
indivíduos infectados pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), nos quais o
agente infeccioso atinge principalmente as células T CD4+, causando defeitos na
geração de CTLs.
Em cima, destacamos que a importância das células T CD4+ é variável,
pelo seguinte motivo: quando a resposta imune inata é mais “fraca”, geralmente
contra infecções virais latentes, transplantes de órgãos e tumores, as células
T auxiliares são necessárias para induzir respostas de células T CD8+. No
entanto, quando a resposta inata é mais “forte”, as células T auxiliares podem
não ser essenciais.
Essas células T auxiliares podem
ativar as células T CD8+ de diversos modos, seja por meio de citocinas que
servem como sinais de diferenciação, como ilustrado na figura 3, ou
através de um processo chamado licenciamento das APCs. Esse processo ocorre
quando há expressão de ligantes CD40 (CD40L), os quais podem se ligar ao CD40
nas células apresentadoras de antígeno (APCs) carregadas com antígenos. Essa
interação ativa as APCs e as tornam mais eficientes na estimulação da
diferenciação das células T CD8+, induzindo a expressão dos coestimuladores.
Figura 3:
Papel das células T auxiliares na diferenciação de linfócitos T CD8 +. Abbas
(2019).
Em suma, a diferenciação das
células T CD8+ naive em células T CD8+ citotóxicas efetoras é um processo
complexo e essencial na resposta imunológica contra ameaças como células
tumorais e patógenos intracelulares, sendo fundamental a compreensão detalhada
desses mecanismos para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas voltadas
para potencializar a resposta imunológica contra o câncer e outras doenças.
Referência:
ABBAS, A.K; LICHTMAN, A.H; PILLAI, S. Imunologia
celular e molecular. Elsevier, 9 ed. 2019.
Texto: Matheus Vinícius Cardoso Santos
Revisão técnica: Diego Moura Tanajura
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