quarta-feira, 3 de julho de 2024

DIFERENCIAÇÃO DAS CÉLULAS T CD8+ EM LINFÓCITOS T “MATADORES”

    Tópicos abordados:

 

- Diferenciação das células T CD8+;

- Apresentação cruzada de antígenos;

- MHC classe I e II;

- Papel das células T CD4+ na diferenciação dos linfócitos T CD8+;

- Licenciamento das APCs.


No artigo anterior, abordamos sucintamente o crucial processo de diferenciação dos linfócitos T CD8+ naive em linfócitos T CD8+ citotóxicos (CTLs) efetores (“matadores”). Neste contexto, alinhados à premissa de que o sistema imunológico desempenha um papel fundamental na supressão de células tumorais, pretendemos explorar de maneira mais aprofundada a dinâmica desse processo de diferenciação.

Sugiro a leitura desse nosso outro artigo – Entendendo os linfócitos naive, efetores e de memória. 

Basicamente, o processo de diferenciação dos linfócitos T citotóxicos (CTLs) envolve a transcrição gênica, resultando na ativação e expressão de genes específicos que codificam moléculas efetoras. Ou seja, novos genes são transcritos. No entanto, para que esse processo ocorra, é necessária a cooperação de dois programas de expressão: o T-bet e a eomesodermina. Ambos atuam sinergicamente para promover a expressão de grandes quantidades de perforinas e granzimas (proteínas contidas nos lisossomos celulares, responsáveis pela destruição da célula-alvo), além de algumas citocinas, especialmente o IFN-γ, associado à ativação dos fagócitos. Essa coordenação entre o T-bet e a eomesodermina é fundamental para a eficácia da resposta imunológica mediada por células T CD8+ na eliminação de ameaças, como células tumorais e células infectadas por vírus.


Mas, para que os novos genes sejam expressos, as células necessitam de sinais que viabilizem essa transcrição gênica, como o reconhecimento do antígeno trazido aos órgãos linfoides secundários pelas APCs (Células apresentadoras de antígenos), além de alguns sinais secundários, destacados na figura 1, que ocorrem sequencialmente da seguinte maneira: 

 

a.              após serem sinalizadas, as células T CD8+ reconhecem os antígenos apresentados pelas células dendríticas nos órgãos linfoides periféricos; 

 

b.              são estimuladas a proliferar e se diferenciar em células efetoras (CTLs); 

 

c.               os CTLs entram na corrente sanguínea e migram para os sítios de crescimento tumoral, por exemplo, onde reconhecem o antígeno; e 

 

d.              respondem realizando o killing das células nas quais o antígeno é produzido, por meio das proteínas citadas anteriormente (perforinas e granzimas).


Figura 1: Fases de indução e efetora das respostas de células T CD8+. Abbas (2019). 


A partir disso, podemos notar a imensa importância dos antígenos e das células apresentadoras de antígeno (APCs) para consolidar a diferenciação, uma vez que servem como meio de viabilização para a primeira etapa do processo (reconhecimento do antígeno e indução de uma resposta nos órgãos linfoides). 


Uma pausa para uma discussão importante!!!

 A ativação de células T CD8+ naive é melhor realizada pelas Células Dendríticas, através da apresentação de antígeno. 

Gravem isso na cabeça!

 No entanto, para a célula dendrítica apresentar o antígeno via MHC classe I para as células T CD8+, este antígeno DEVE estar no citosol das células dendríticas (DCs).

 

Daí que vem o problema... A maioria dos vírus, por exemplo, é incapaz de infectar as DCs. Isso quer dizer, que as proteínas codificadas por esses vírus não serão produzidas no citosol das DCs.  


Então, como fazer com que as DCs ativem as células T CD8+?

O sistema imune lida com este problema através da apresentação cruzada de antígenos! (Ver figura 2).

E atenção!!! Aquela regra básica de que peptídeos derivados pelo lisossomo (quando o antígeno é fagocitado pelas APCs) são apresentados via MHC de classe II, enquanto aqueles derivados pelo proteassomo são apresentados em moléculas de MHC de classe I (quando o antígeno está no citosol) NUNCA é violada!

Antes de voltar para o tema do nosso post, vou mandar mais uma dica:

MHC classe I apresenta antígeno para as células T CD8+.

MHC classe II apresenta antígeno para as células T CD4+.

Para nunca mais esquecer, basta multiplicar a classe do MHC pelo número da célula T:

- MHC de classe I x 8 = 8

- MHC de classe II x 4 = 8

O resultado sempre tem que ser 8.



Figura 2: Apresentação cruzada de antígenos para células T CD8 +. Abbas (2019). 




Voltando...

Esse sistema de apresentação do antígeno à célula T é conhecido como apresentação cruzada, ou simplesmente cross-priming, e é muito interessante. Basicamente, as APCs, geralmente as células dendríticas, ingerem os antígenos expressos pelas células tumorais ou ingerem células infectadas por vírus, os quais são transportados para o citoplasma celular e são processados pelos proteassomos, e apresentados ligados com as moléculas do MHC de classe I a células T CD8+ (Ver figura 2).


Mas qual seria o papel das células T CD4+ durante todo esse processo de diferenciação? 


Estudos em camundongos mostram a importância variável das células T CD4+ para o desenvolvimento de uma resposta por CTLs (linfócitos T CD8+). Ao isolar camundongos que não apresentam células T auxiliares (linfócitos T CD4+), algumas infecções virais falharam em gerar CTLs eficazes ou células T CD8+ de memória, o que resultou na incapacidade de erradicar a infecção. Um exemplo claro em humanos são os indivíduos infectados pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), nos quais o agente infeccioso atinge principalmente as células T CD4+, causando defeitos na geração de CTLs.


Em cima, destacamos que a importância das células T CD4+ é variável, pelo seguinte motivo: quando a resposta imune inata é mais “fraca”, geralmente contra infecções virais latentes, transplantes de órgãos e tumores, as células T auxiliares são necessárias para induzir respostas de células T CD8+. No entanto, quando a resposta inata é mais “forte”, as células T auxiliares podem não ser essenciais.


Essas células T auxiliares podem ativar as células T CD8+ de diversos modos, seja por meio de citocinas que servem como sinais de diferenciação, como ilustrado na figura 3, ou através de um processo chamado licenciamento das APCs. Esse processo ocorre quando há expressão de ligantes CD40 (CD40L), os quais podem se ligar ao CD40 nas células apresentadoras de antígeno (APCs) carregadas com antígenos. Essa interação ativa as APCs e as tornam mais eficientes na estimulação da diferenciação das células T CD8+, induzindo a expressão dos coestimuladores.




Figura 3: Papel das células T auxiliares na diferenciação de linfócitos T CD8 +. Abbas (2019). 


Em suma, a diferenciação das células T CD8+ naive em células T CD8+ citotóxicas efetoras é um processo complexo e essencial na resposta imunológica contra ameaças como células tumorais e patógenos intracelulares, sendo fundamental a compreensão detalhada desses mecanismos para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas voltadas para potencializar a resposta imunológica contra o câncer e outras doenças.

 

Referência:

ABBAS, A.K; LICHTMAN, A.H; PILLAI, S. Imunologia celular e molecular. Elsevier, 9 ed. 2019.


Texto: Matheus Vinícius Cardoso Santos

Revisão técnica: Diego Moura Tanajura 

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