segunda-feira, 25 de abril de 2022

Resolução - Caso clínico 1. Agamaglobulinemia ligada ao X (Doença de Bruton)

 

Veja o caso clínico neste post: Caso clínico 1.

Perguntas:

 

1)       Por que João estava bem nos primeiros 6 meses de vida, sem nenhuma infecção? Como você explicaria isso?

 

Nas formas genéticas de deficiência de anticorpos, infecções recorrentes geralmente começam após os 4 meses de idade, uma vez que a IgG transferida pela mãe oferece alguma proteção passiva para os primeiros 3-4 meses de vida, conforme pode ser observado na figura abaixo que trata sobre os Níveis séricos de imunoglobulina e sua relação com a idade. A IgG transferida pela mãe (· · · linha pontilhada) desaparece principalmente após 6 meses. Como o neonato sintetiza (- linha contínua) IgG, o nível aumenta lentamente, mas uma queda fisiológica da IgG sérica pode ser vista entre 3 e 6 meses (- - - Total de IgG)” e que demonstra claramente a queda dos níveis de IgG materna transferida na gestação, logo nos primeiros meses de vida e o tempo necessário para a criança sintetizar os níveis adequados de anticorpos.

Em suma, João estava bem nos primeiros 6 meses de vida por conta dos anticorpos maternos. 

Fonte da figura: aqui.

 

2) Pacientes com alguma imunodeficiência não devem tomar vacinas de microrganismos atenuados. Vários meninos com agamaglobulinemia ligada ao X que receberam a vacina da pólio atenuada, desenvolveram paralisia infantil. Qual a sequência de eventos levou ao desenvolvimento da pólio nesses meninos?   

As vacinas vivas contra a poliomielite são feitas de vírus com uma mutação incapacitante (desativadora) no gene que permite que o vírus entre nas células nervosas motoras e cause paralisia. Quando uma criança normal recebe o poliovírus vivo atenuado oralmente, o poliovírus estabelece uma infecção inofensiva no intestino. Dentro de 2 semanas o bebê gera anticorpos IgG e IgA que neutralizam o poliovírus e previnem que a infecção se espalhe, de modo que, à medida que as células intestinais infectadas morrem, a infecção é encerrada.

Quando bebês do sexo masculino com agamaglobulinemia ligada ao X recebem a mesma vacina, eles são incapazes de produzir anticorpos e a infecção pode persistir, pois eles continuam a excretar o poliovírus do intestino. Depois de um tempo pode haver uma mutação em alguns dos vírus que os faz readquirir a capacidade de entrar nas células nervosas (neurotropismo). Esses chamados vírus reversos se disseminam pela corrente sanguínea e infectam os neurônios da medula espinhal, causando poliomielite paralítica.

 

Para mais detalhes de quais vacinas podem ser utilizadas, vide o calendário de vacinação da SBIm para pacientes especiais (pág.25).



3) As infecções recorrentes em João foram por infecções bacterianas por Streptococcus e Haemophilus. Essas bactérias possuem uma fina cápsula composta de polissacarídeos, que as protegem do ataque direto por fagócitos. Os humanos produzem anticorpos IgG2 contra esse polissacarídeo. O anticorpo IgG2 “opsoniza” a bactéria, facilitando a fagocitose por células fagocíticas. Qual outro defeito genético no sistema imune poderia clinicamente mimetizar a agamaglobulinemia ligada ao x (focar no ponto da opsonização)?  Quais são as classes e subclasses de anticorpos humanos?


A deficiência hereditária no componente C3 do sistema complemento. A fixação do C3 à superfície bacteriana, seja pelas vias clássicas, alternativas ou da lectina de ativação do complemento, leva à sua clivagem em C3b e C3a. O menor pedaço, C3a estimula a inflamação. O maior pedaço, o C3b, inicia as etapas tardias da ativação do sistema complemento, e é responsável, também, pela opsonização dos microrganismos. Os microrganismos opsonizados são mais facilmente reconhecidos pelo receptor de C3b dos fagócitos. Imagine o seguinte, que o C3b funcione como um sinalizador e ao se ligar na superfície dos microrganismos, acaba sinalizando para os fagócitos que algo estranho está presente e precisa ser destruído. O C3b é o agente mais importante para a opsonização de bactérias encapsuladas. Então, podemos observar que o componente C3 do sistema complemento desenvolve uma atividade muito similar a dos anticorpos, a opsonização (ver figura abaixo).



Fonte: Abbas


As imunoglobulinas podem ser divididas em cinco classes diferentes, com base nas diferenças em sequências de aminoácidos na região constante das cadeias pesadas. Todas as imunoglobulinas de uma mesma classe têm regiões constantes de cadeia pesada muito similares. Essas diferenças podem ser detectadas por estudos de sequências ou mais comumente por meios sorológicos (ou seja, pelo uso de anticorpos dirigidos a essas diferenças). São elas:

1. IgG;

2. IgM;

3. IgA;

4. IgD;

5. IgE.

 

Além disso, as classes de imunoglobulinas podem ser divididas em subclasses baseadas em pequenas diferenças nas sequências de aminoácidos na região constante das cadeias pesadas. Todas as imunoglobulinas de uma subclasse têm sequências de aminoácidos de região constante de cadeia pesada muito similares. Novamente essas diferenças são mais comumente detectadas por meios sorológicos. São elas:

1. Subclasses de IgG

a) IgG1;

b) IgG2;

c) IgG3;

d) IgG4.

2. Subclasses de IgA

a) IgA1;

b) IgA2.


Fonte: IMUNOLOGIA – Capítulo 4: Imunoglobulinas – Estrutura e Função. Dr. Gene Mayer Tradução: PhD. Myres Hopkins.


4)       Qual a explicação para as infecções virais e por bactérias intracelulares serem incomuns em crianças com agamaglubolinemia ligada ao x? 


Embora indivíduos com incapacidade hereditária de produzir anticorpos estejam sujeitos a infecções recorrentes, estas são quase exclusivamente causadas por patógenos bacterianos extracelulares, como Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae, Streptococcus pyogenes e Staphylococcus aureus. Uma pesquisa com dezenas de históricos de meninos com esse defeito estabeleceu que eles não têm problemas com infecções intracelulares, como as causadas pelas doenças virais comuns da infância. O número de células T e suas funções em homens com agamaglobulinemia ligada ao X são normais, e esses indivíduos, portanto, têm respostas mediadas por células normais, que são capazes de encerrar infecções virais e infecções com bactérias intracelulares, como aquelas que causam tuberculose.


 

Texto: Juliana Santos Teles

Revisão técnica: Diego Moura Tanajura

terça-feira, 12 de abril de 2022

Vacinação com a CoronaVac em crianças e adolescentes

 Neste artigo discutimos:

- Retorno das doenças da infância;

- Segurança e efetividade da CoronaVac;

- Estudo na China;

- Estudos no Chile;

- Importância da vacinação de crianças e adolescentes. 


Para ler o texto sobre a vacinação com a Pfizer em crianças, clique aqui.

Uma grande preocupação na área da saúde nos últimos anos tem sido o avanço do movimento antivacina. Mesmo antes da pandemia, muitas pessoas se recusavam a tomar as vacinas e, também, não vacinavam seus filhos, o que levou a volta das chamadas “doenças da infância”, como o sarampo. Só para se ter uma ideia da situação grave que vivemos, em 2016, o Brasil foi reconhecido pela Organização Pan-Americana de Saúde como área livre do sarampo. Essa conquista aconteceu graças às políticas de vacinação, com destaque para o Plano Nacional de Vacinação do Sarampo, de 1992. Infelizmente, esse reconhecimento de área livre do vírus durou pouco. Em 2018, o Brasil perdeu essa certificação por conta da queda nas taxas de vacinação. Outra doença que pode reaparecer é a paralisia infantil, causada pelo vírus da pólio.

No cenário atual, temos visto ainda mais desinformação a respeito das vacinas contra COVID-19 e sua indicação para o público infantil. Será que as vacinas são mesmo seguras e eficientes para as crianças?

Os estudos com a CoronaVac mostram que sim – a vacina é segura e eficaz em proteger contra hospitalizações e internações devido à doença.


O primeiro estudo, na China

A Sinovac, empresa farmacêutica que desenvolveu a CoronaVac, conduziu um estudo para comprovar a segurança da vacina em um público de 3 a 17anos ainda em 2020. Iniciado em outubro de 2020, o estudo contou com 550 crianças divididas em duas fases – 71 na primeira e 479 na segunda – e foi feita a aplicação de duas doses da vacina em um grupo e de placebo em outro, com intervalo de 28 dias entre elas. O objetivo foi analisar a tolerabilidade, a segurança e a imunogenicidade da vacina em crianças e adolescentes, além da dosagem mais efetiva, de 1,5 μg (menor dose) ou 3,0 μg (mesma dose do adulto). Os resultados mostraram que a vacina é segura em suas duas doses para essa faixa etária e apresenta reações leves a moderadas, sendo a mais relatada a dor no local da aplicação, o que já é esperado.

Além disso, a CoronaVac mostrou ser imunogênica nesse grupo de 3 a 17 anos, ou seja, houve uma boa resposta imunológica com a produção de anticorpos após as duas doses, principalmente com a dosagem de ou 3,0 μg. Inclusive, os índices de soroconversão nessa maior dose (3,0 μg – mesma dose dos adultos) foram de 100%, uma imunogenicidade maior até do que a observada em adultos. Com isso, os resultados mostraram que a vacina é segura e capaz de induzir uma forte resposta humoral.


Os estudos no Chile sobre a efetividade da CoronaVac

Só para relembrar, efetividade é a eficácia da vacina na vida real. A eficácia é obtida nos ensaios clínicos e a efetividade através dos dados da população vacinada.

Outro estudo com a CoronaVac, realizado no Chile de junho de2021 a janeiro de 2022, analisou a efetividade da vacina em um universo de 2 milhões de crianças de 6 a 16 anos, divididas em dois grupos: vacinadas com as duas doses e não vacinadas. Com isso, os pesquisadores observaram que a efetividade da vacina foi de 74,5% contra a infecção, 91% para evitar hospitalizações e 93,8% para internações em UTI. Ainda nesse estudo, um subgrupo de crianças de 6 a 11 anos apresentou uma resposta de 75,8% de efetividade para prevenir a infecção e 77,9% contra hospitalizações, sendo que nenhuma das crianças vacinadas precisou ser internada na UTI. Os cientistas, então, concluíram que as duas doses da vacina protegem contra casos graves e complicações da COVID-19, a exemplo da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P).

Posteriormente, foi produzido mais um estudo, no período de dezembro de 2021 a fevereiro de 2022, que comprovou a eficiência da vacina em crianças mais novas durante o surto causado pela variante Ômicron. Participaram da pesquisa cerca de 500 mil crianças de 3 a 5 anos, semelhante ao estudo anterior, com os seguintes resultados: 38,2% de efetividade contra a infecção, 64,6% contra hospitalizações e 69% para a prevenção de internações em UTI. Nesse estudo, a efetividade da vacina contra a infecção foi mais baixa, quando comparada com a anterior, e por isso deve-se considerar o surto da Ômicron naquele período, já que essa variante possuía, até o momento, os índices mais altos de infecção observados na pandemia. Portanto, os resultados mostraram que a efetividade contra infecção foi moderada, mas permaneceu alta contra os casos graves e as complicações da doença.


Conclusão

Nesses três estudos com a CoronaVac participaram crianças com idades diferentes, de países diferentes e foram realizados em períodos também distintos (em diferentes ondas da doença e, consequentemente, diferentes variantes), resultando em dados suficientes para atestar a segurança e efetividade da vacinação de crianças e adolescentes contra a o SARS-CoV-2 e suas variantes. Logo, por mais que grande parte desse público tenha sintomas leves da COVID-19 ou fiquem assintomáticos, existe a chance de desenvolver complicações e ainda não sabemos os efeitos da doença a longo prazo (síndrome pós-COVID-19), por isso é fundamental que as crianças sejam vacinadas.

 

Texto: Nathalia de Azevedo Souza

Revisão técnica: Diego Moura Tanajura 

Caso Clínico IV - COVID-19

  Senhor José, com 70 anos e diabético, deu entrada no PS do HU de Lagarto com um quadro de dispneia, febre, tosse e dores pelo corpo. Além ...

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