sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Amnésia Imunológica - Como o seu corpo esquece de lutar

Neste artigo discutimos:

 Memória imunológica;

Amnésia imunológica causada pelo vírus do Sarampo;

Duração da amnésia imunológica;

O que pode ser feito para corrigir ou evitar a amnésia imunológica?


Sabe-se que o sistema imunológico possui o papel de proteger o organismo de possíveis ameaças, seja um microrganismo ou até mesmo uma molécula estranha que possa adentrar o corpo. Além disso, esse mesmo sistema é capaz de reconhecer um antígeno (substância estranha) que já tenha sido combatido por ele anteriormente, gerando uma resposta mais rápida e eficaz ao encontrar o antígeno pela segunda vez. Essa capacidade do sistema imune é conhecida como memória imunológica.

Ademais, cada patógeno possui um mecanismo diferente que irá contribuir para a infecção no organismo do hospedeiro. O vírus do sarampo, por exemplo, chama bastante atenção por conta de um fenômeno bastante peculiar, consequência de sua fase aguda, chamado de amnésia imunológica, na qual o corpo “esquece” como combater outras infecções e, em contrapartida, gera uma forte memória contra o vírus do Sarampo.


Como o vírus do sarampo causa amnésia imunológica?

 Para compreendermos esse fenômeno causado pelo vírus do sarampo, é necessário entender como ele irá infectar o corpo (ver figura abaixo). Sabe-se que esse patógeno adentra o organismo por meio das vias aéreas, percorrendo um pequeno trajeto até chegar aos pulmões. Nesse órgão, o vírus irá se liga a células específicas do sistema de defesa do corpo, os macrófagos, os quais são parte da imunidade inata, a primeira resposta imune. Assim que, o vírus encontra os macrófagos, ocorre a fusão do patógeno com a membrana da célula de defesa por meio de um sistema semelhante ao de uma chave e fechadura, no qual o vírus possui uma glicoproteína de membrana (Chave) chamada de “molécula sinalizadora na ativação do linfócito” (SLAM - CD150) que quando ligada a um receptor específico (Fechadura) do macrófago, irá promover essa fusão.


Fonte: https://www.immunopaedia.org.za/wp-content/uploads/2014/12/measles-virus infection-cycle.jpg


Desta forma, o vírus contorna a primeira linha de defesa do corpo, uma vez que, por conta dessa fusão direta, o macrófago não realizará a fagocitose destrutiva. Em seguida, o macrófago transporta cópias virais para os tecidos linfáticos, local em que se pode encontrar os linfócitos B e T de memória, células responsáveis pela reposta imune adaptativa e pela “memória imunológica”. A partir do momento que o vírus, antes presente nos macrófagos, entra em contato com os linfócitos, o patógeno irá infectar essas células da mesma forma que infectou as células de defesa no pulmão, através da ligação da SLAM a receptores específicos.

Assim, após a infecção dos linfócitos de memória, a infecção irá se espalhar por todo o corpo por meio de células infectadas e como uma resposta natural do nosso sistema imune, vai ocorrer o combate da infecção. Ainda assim, você deve estar se perguntado: Como o organismo irá combater a infecção se o vírus está dentro das células de defesa dos hospedeiros???

A resposta é simples: destruindo as próprias células de defesa infectadas. Essa é razão da “amnésia imunológica”, já que com o combate à infecção, irá ocorrer a destruição de linfócitos B e T de memória pré-existentes, ou seja, células que já haviam “aprendido” a combater outros patógenos, levando uma redução em seu número e uma maior propensão a outras infecções.


Quanto tempo dura a amnésia imunológica?

Segundo trabalho científico publicado na revista Science, a partir da análise de crianças dos Estados Unidos, Reino Unido e Dinamarca, leva em torno de 2 a 3 anos para o reestabelecimento da memória imune protetora nesse grupo. Esse intervalo de tempo leva a uma discussão interessante em torno da necessidade de revacinação desses indivíduos.


 O que pode ser feito para prevenir esse problema?

A resposta é simples e consiste na vacinação da população. Sabe-se que a vacina tríplice viral, a qual protege não somente contra o sarampo, mas também contra a caxumba e rubéola, possui uma eficácia de 97% na prevenção de infecções após as suas duas doses. Logo, é importante realizar a vacinação em massa para evitarmos a propagação do sarampo em nosso país, que tinha sido erradicado e tornou a assombrar os brasileiros em 2018. Essa volta se deve a diminuição da cobertura vacinal.

 

Para saber mais sobre o assunto, recomendo o texto da American Society for Microbiology.


Texto: Gabriel Silva Morato

Revisão técnica: Diego Moura Tanajura


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