segunda-feira, 6 de junho de 2022

Entendendo os linfócitos naive, efetores e de memória.

Tópicos abordados:

Linfócitos – do surgimento ao amadurecimento;

Linfócitos naive, efetores e de memória;

Expansão clonal em linfócitos T e B;

Racional das vacinas conjugadas;

Por que as células T naive diminuem com a idade e as células T de memória aumentam? 


 

1.    De onde surgem os linfócitos e como eles amadurecem?

Todos os linfócitos surgem da medula óssea, um grande órgão linfoide primário ou gerador, sendo uma de suas funções realizar a produção de células do sistema imune. Porém, eles não surgem como linfócitos propriamente ditos. Na verdade, como ilustrado na figura 1, uma célula-tronco hematopoiética sofre processos estimulantes até se tornar mais diferenciada, gerando um percursor linfoide comum. Esse percussor linfoide está um passo à frente nesse processo de diferenciação celular. Até que ele, por estímulos diferentes, pode gerar células ainda mais diferenciadas: os prós-linfócitos T e B. Essas, por fim, é que tem um compromisso em gerar os linfócitos T e B. O passo final é a maturação que será diferente para o linfócito T e B como mostrado na figura 1. No caso do primeiro, ele irá ao timo e completará sua maturação. Enquanto o segundo entra na circulação linfática e completa sua maturação nos órgãos linfoides periféricos (especializados em efetuar a resposta imune). Ambos os linfócitos se acumulando em órgãos linfoides periféricos ou em tecidos como as mucosas ou pele (veja aqui a distribuição dos linfócitos pelo corpo), podem agora ser expostos aos antígenos.


 Figura 1: Processo de produção e maturação dos linfócitos. Abbas (2019).


Veja aqui e aqui um caso clínico sobre a deficiência na maturação de células B. 


2.    Por que linfócitos naive, efetor e de memória?

Essa classificação existe para os linfócitos T e B que estão naive (maduros) e que apresentam uma distinção na história de exposição aos antígenos. Desse modo, para compreender isso, é necessário entender que todo linfócito maduro é capaz de responder a um antígeno para gerar uma resposta imune. Porém, não necessariamente ele foi exposto ainda, ou seja, ele se encontra quiescente, em estado de repouso. Por isso, para todo linfócito maduro, mas que ainda não foi exposto a um antígeno, dá-se o nome de naive (do inglês, ingênuo, sem sabedoria). Como ilustrado na figura 2 são esses linfócitos naive que se acumulam nos órgãos linfoides periféricos ou nos tecidos logo após a sua maturação. Nesses locais, é que eles podem ser expostos a um antígeno, se diferenciando e se tornando efetores, ou seja, que realizam a resposta imune propriamente dita. Porém como a resposta dos linfócitos é a adaptativa, ela também induz memória imunológica. Sendo assim, o grupo de linfócitos T ou B de memória também será gerado no processo de diferenciação de linfócito naive.

 

Figura 2: Exposição dos linfócitos naive aos antígenos e sua ativação em linfócitos efetores. Abbas (2019).

3.    Como se dá a ativação dos linfócitos naive em efetores?

Para compreender a ativação, deve-se entender que os linfócitos naive respondem a certos sinais que os fazem se manter em um nível homeostático adequado de células. E que estes linfócitos vivem de 1 a 3 meses.

Sendo assim, sinais de sobrevida de receptores de autoantígenos e citocinas como a IL-7 auxiliam na regulação da sobrevivência, bem como na proliferação desses linfócitos de órgãos geradores. Normalmente, a quebra dessa homeostasia é que caracteriza a ativação dos linfócitos. Isso ocorre nas infecções que ocasionarão uma ativação desses linfócitos por alguns mecanismos de apresentação de antígeno através, principalmente, das células dendríticas e macrófagos. Isso ocasionará um processo denominado de expansão clonal. A figura 3 exemplifica esse processo para os linfócitos T CD4+ e T CD8+. Os linfócitos T naive reconhecem os antígenos apresentados via células apresentadoras de antígenos. Em seguida, os linfócitos são ativados e passam a produzir a citocina IL-2. A IL-2 pode agir na própria célula produtora ou na célula T vizinha. Esta citocina induzirá a proliferação de células T. Essas células podem então se diferenciar em células efetoras e células de memória.

 


 Figura 3: Processo de expansão clonal para os linfócitos T naive. Abbas (2019)


A figura 4 por sua vez demonstra esse processo similar agora nos linfócitos B. Aqui, há a ativação do linfócito B naive pelo antígeno e um consecutiva proliferação através de estímulos dos linfócitos T. A consequência é a diferenciação em plasmócito (efetor) que secretam os anticorpos ou uma célula B de memória. É importante destacar que o processo de expansão clonal tem como mecanismo base a modificação genética dos linfócitos T ou B, através do estímulo de diferentes tipos de antígenos em receptores que geram diferentes populações celulares, conforme a diferenciação das células filhas. 


Figura 4: Processo de expansão clonal para os linfócitos B naive. Abbas (2019)


Jogo rápido sobre o racional das vacinas conjugadas:

Não é o objetivo deste texto, mas é importante destacar que a resposta via células B pode ser dependentes de células T, caso o antígeno seja proteico, ou independente de células T, para antígenos não proteicos.

E qual a importância disso?

A resposta dependente de células T é capaz de gerar anticorpos de alta afinidade e células de memória. Já as independentes de Células T geram anticorpos de baixa afinidade e não induz células de memória.

Vamos para um exemplo prático?

Se a vacina for constituída de antígenos não proteicos, como os sacarídeos (açúcar) bacterianos, isso vai ser um problema, não é?

Pois não teremos a indução de células de memória que é justamente o objetivo da vacinação!

Como resolver esse problema?

Fazer vacinas conjugadas – basta ligar o antígeno de carboidrato da bactéria com um carreador proteico.

 

4.    Por que as células T naive diminuem com a idade e as células T de memória aumentam?

Desde as primeiras gripes da pré-escola até as doenças infecciosas mais complexas que afligem o ser humano, há a exigência de um sistema imune competente e funcional para combater esses invasores. Esse processo exige que as células T sejam produzidas, maturadas e armazenadas em órgãos ou tecidos. É justamente o processo de maturação que garante a existência de linfócitos T naive disponíveis. Porém, o timo, o órgão responsável pela maturação, involui com o início da puberdade. Já as infecções por sua vez não deixam de ocorrer. É o que demonstra o gráfico da figura 5. Ao passo que o timo diminui o número de linfócitos T maturados (naive), as células T de memória vão aumentando devido ao estímulo do sistema imune pelas infecções ao longo do tempo. Dessa maneira, como não há maturação suficiente, não é possível repor com a mesma velocidade as células T naive.

 

 

Figura 5: Mudança nas proporções de células T com o passar dos anos. Abbas (2019)

5.    Considerações finais

O entendimento desse processo é crucial para se compreender a plasticidade do sistema imune que sai de um sistema quiescente, para se tornar um sistema efetor e se moldar novamente em um sistema quiescente, mas com um aprendizado que tornará a resposta futura mais potente em um novo encontro. Como diria o médico Oliver Wendell Holmes: “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”. Talvez, nessa bela frase, ao longe, exista uma pitada de imunologia.

 

6.    Referência básica: 


ABBAS, A.K; LICHTMAN, A.H; PILLAI, S. Imunologia celular e molecular. Elsevier, 9 ed. 2019.


Texto: Vitor Guilherme Oliveira Dinizio

Revisão técnica: Diego Moura Tanajura 

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